Uma breve análise dos indicados ao Oscar de 2018

        Como falta exatamente uma semana para a nonagésima edição dos Oscars, hoje comentarei a respeito dos filmes indicados na categoria de Melhor Filme deste ano. Gostaria de poder falar sobre todos os que foram indicados em outras categorias, porém acho que não terei tempo de assistir nem mesmo os estrangeiros (que são bastante interessantes e viabilizam uma visão de mundo diferenciada, longe dos esteriótipos que temos dos países fora do centro comercial dos Blockbusters e outros longa-metragens anglo-cêntricos). Enfim, vamos aos indicados à Melhor Filme!

1. A Forma da Água, dirigido por Guillermo del Toro e escrito por ele e por Vanessa Taylor.
    O filme trata basicamente de um amor considerado impossível, primordialmente por se tratar de uma humana que se apaixona por uma - na falta de uma palavra apropriada - "criatura". Pode parecer beeem esquisito, eu sei, mas a obra aborda essas diferenças por um viés introspectivo e humorístico. Ele destrói o conceito "monstro" da história - o monstro, na verdade, é representado por um humano - e cria uma empatia tanto para com Eliza Esposito (interpretada por Sally Hawkins) quanto para com a Forma (Doug Jones), uma vez que eles são altamente desprezados: ela, por sua mudez e pelo seu trabalho como faxineira, ele, por ser um "monstro", irracional, aos olhos de quase todos os outros personagens da trama. Na verdade, o foco do filme está nessas pessoas que são vistas com maus olhos pela sociedade, especialmente no período no qual a história é desenvolvida (meados da década de 1960): uma muda, um "ser" selvagem, uma negra, um pintor homossexual e um espião soviético. De certo modo, todos eles se unem para libertar a Forma. O filme é mais um drama do que um romance, uma vez que as emoções sobre o qual se trata extrapolam os sentimentos típicos de uma história de amor. Não posso deixar de lado a brilhante atuação de Sally Hawkins (estou na torcida por ela para Melhor Atriz), pois sem verbalizar nenhuma palavra, com certeza fez muitos queixos caírem. Todos os gestos, olhares, expressões corroboraram para que a personagem não fosse vista como uma debilitada ou incapaz, e sim, como um ser humano como todos os outros, com seus desejos, com suas dores, com suas emoções e com suas paixões. A composição das cenas, levando em consideração a fotografia e as paletas de cores, foi condizente com a atmosfera fantasiosa à lá Edward Mãos de Tesoura. Um ponto fraco, não para mim, mas que minha amiga cinófila comentou, é que "a elaboração é previsível". O enredo é simples, com um início, um meio e um fim bem definidos. Isso, entretanto, não ofusca a mensagem por trás do filme nem as inúmeras referências a filmes clássicos, momentos históricos e músicas que Del Toro fez questão de colocar. Eu poderia escrever um texto de cinco páginas a respeito de A Forma da Água; pessoalmente, foi o meu preferido dentre todos os indicados, mas vou parar por aqui.

2. Três Anúncios Para um Crime, dirigido e escrito por Martin McDonagh.
    Mais do que um drama, o filme denuncia as mazelas da sociedade e critica a conduta da polícia estadunidense, especialmente ao se tratar do racismo e do preconceito, e as consequências (diretas e indiretas) de um relacionamento abusivo. Sutilmente há também uma denúncia à manipulação midiática. O tema recorrente é a injustiça e o limite das ações humanas para defender o que acredita ser o certo: do lado de Mildred (interpretada por France McDormand), a prisão do(s) culpado(s) pela morte da filha dela e a vingança à polícia; do lado do policial Dixon (Sam Rockwell), a retirada dos outdoors a qualquer custo e o desejo de humilhar a responsável por eles. O que mais me chamou a atenção foi como os personagens se desenvolvem ao longo da trama: Mildred, que inicialmente é apresentada como uma mulher "durona" e "carrancuda", com seu jeito grosseiro e direto, aos poucos cede uma brecha que mostra o quão assolada ela realmente está, não somente tomada pela ira, mas pelo pesar, pelo arrependimento e pela dor que se remete desde aos anos com o ex-marido. Mesmo Dixon, que inicialmente é um babaca com traços psicóticos, acaba por abrir espaço para seu lado condescendente. Quanto à composição do filme em si, em termos de proposta e de aspectos técnicos, ele não se diferencia de qualquer outro de tema semelhante. Lembrou-me muito Fargo, também estrelando McDormand, quanto ao estilo da fotografia e dos diálogos (por mais que o trailer sugira muito sangue e muita pancadaria, espere isso em dosagens moderadas). No geral, é um bom filme. A atuação de todos é impecável e emocionante, e eu creio que a produção levará muitos Oscars no próximo domingo.

3. Me Chame Pelo Seu Nome, dirigido por Luca Guadagnino e escrito por James Ivory.
    Apesar do título do filme ser sintaticamente equivocado, não vou levar isso em consideração (eu não sou tão má assim). A obra é baseada em um livro homônimo e retrata um amor de verão entre Elio (interpretado por Timothée Chalamet), um garoto de 17 anos, e um pupilo do seu pai, Oliver (Armie Hammer). Elio foi, na minha opinião, um personagem muito complexo. Logo no início nota-se que ele é insatisfeito com si, apesar de ser inteligentíssimo, de pertencer a uma família bem sucedida e de aparentemente ter tudo o que um adolescente deseja. A abordagem do longa-metragem apresenta traços existencialistas, tanto ao tratar da sexualidade quanto das crises existenciais pelas quais todos nós passamos durante a adolescência. Oliver também é um personagem muito bem escrito e interpretado, um pouco intrigante também. Um ponto que eu gostei foi a composição das cenas: assim como em A Forma da Água, há cenas nas quais não são necessárias palavras para expressar no que a pessoa pensa; as expressões faciais dos atores e as músicas que acompanham o desenrolar da história são estupendas. Eu pessoalmente achei a trama um pouco cansativa, meio lenta, mas levo em consideração o fato de que eu não assisto muitos filmes com esse ritmo. A minha impressão foi de estar assistindo a uma produção autêntica dos anos 1980.

4. Corra!, dirigido e escrito por Jordan Peele
    Ainda estou mesmerizada em relação a esse filme. Nunca vi nada parecido até agora. É o tipo de história que te surpreende e é bem inovadora, trabalhando muito bem tanto com o gênero thriller (suspense), quanto com o terror. O enredo trata de um jovem fotógrafo negro, Chris (interpretado por Daniel Kaluuya) que vai passar, juntamente com a namorada Rose (Allison Williams), um final de semana na casa dos pais dela. A princípio parecem ser uma família muito agradável, mas as coisas ficam mais bizarras à medida que você assiste. Não vou escrever demais para não acabar contando spoiler (aliás, boa parte da história é justamente as esquisitices que essa linda e amigável família conseguem fazer). O filme também aborda a questão racial de uma maneira meio "puxão de orelha" na sociedade norte-americana, assim como faz uma crítica às abordagens policiais aos cidadãos de pele escura e ao tratamento diferenciado que lhes é dado. Ao discutir a respeito desse longa-metragem com minha amiga, ela fez uma crítica à conclusão da história, suscitando que foi apressada demais. No meu ponto de vista, esse desdobramento foi ao encontro da ação do protagonista, uma vez que ele está em uma situação de vida ou morte, literalmente, e a "correria" para uma conclusão reflete o desespero dele para correr (to get out - o jogo de palavras fica melhor com o título original). Aplaudo de pé a produção do espetacular Jordan Peele.

5. The Post: A Guerra Secreta, dirigido por Steven Spielberg e escrito por Liz Hannah e Josh Singer
    Pessoalmente, não vi nada de demais nesse filme para considerá-lo digno de ser indicado. Mas como a produção conta com a participação da queridinha da Academia, a Meryl Streep, ele foi colocado na lista (em vez de "Projeto Flórida", mas isso é assunto para outra hora). A história é interessante; trata-se da acirrada disputa entre o Washington Post e o New York Times quando documentos confidenciais acerca das reais intenções e condutas estadunidenses acerca Guerra do Vietnã são vazados e parte do conteúdo é divulgado pelo Times. É nessa jogada que Ben Bradlee (interpretado por Tom Hanks) convence a até então relutante Kay Graham (interpretada por Meryl Streep), a dona da empresa, a deixá-lo procurar o responsável pela cópia desses documentos e publicar ainda mais informações do que o concorrente, mesmo quando há uma inibição federal contra tal publicação. O filme também dialoga com a questão do preconceito contra as mulheres que ocupam os cargos mais altos (no caso, Kay havia "herdado" a empresa após o óbito do marido, Phil Graham, fato que piorava ainda mais os comentários acerca da liderança dela) e da liberdade da imprensa. A atuação não tem nada de espetacular (nada comparado à carga emocional da Meryl em Kramer vs Kramer e A Escolha de Sofia), de fato, a personagem de Tom Hanks se destacou até mais do que a protagonista. No geral, o filme é um drama histórico e nada mais. Para quem  pretende atuar na área jornalística, achei o enredo e a fotografia fantásticos - é uma pena que muitos dos recursos utilizados nos jornais dos anos 1970 já se tornaram obsoletos há muito tempo.

6. Dunkirk, dirigido e escrito por Christopher Nolan
    Se você achava que dois renomados diretores já fossem suficientes para rechear a lista de indicações, apresento-lhes o terceiro. Eu pessoalmente sou uma grande fã das produções dele, pois são sempre alineares, surpreendentes e "amarraram" o espectador à história. A colaboração de longa data dele com Hans Zimmer fez dessa produção, assim como Interestelar e A Origem, uma obra de arte intrigante. O enredo é simples, porém o desenrolar dos fatos é contado de uma maneira tipicamente usada pelo diretor, cuja complexidade te deixa confuso. Isso é bom, principalmente pelo fato de não cansar o espectador, uma vez que os fatos progridem como em capítulos de um livro com diferentes pontos de vista. Para quem gosta de história, principalmente da Segunda Guerra Mundial, essa abordagem do conhecido episódio de Dunquerque (convenhamos, Dunkirk soa bem melhor, mas não vou contrariar a língua portuguesa) proporciona um olhar quase realista no sofrimento e na agonia de quem presenciou aquele evento. Além da maneira na qual a história foi apresentada, o que fez dessa produção mais estupenda ainda foi a composição do som. Hans Zimmer, obviamente, é o mestre da composição cinematográfica (ok, John Williams empata com ele), e não foi nenhuma surpresa que ele fomentou praticamente 80% da carga emocional do filme. Há até mesmo um vídeo no YouTube a respeito de como ele trabalhou para dar esse impacto psicológico à produção. Ver Dunkirk no cinema foi a melhor experiência que eu tive em uma sala de cinema. Além da composição instrumental, todas as atuações foram sensacionais, realmente transmitiram o medo e o pânico do episódio abordado, e a fotografia das cenas reforçaram, de fato, as sensações propostas pelo diretor. (Acho que a esse ponto já deu para perceber que eu estou na torcida para que Nolan leve o Oscar de melhor diretor e Zimmer, de composição original.)

7. Lady Bird, dirigido e escrito por Greta Gerwig
    É claro que Lady Bird é o filme "marmelada" dessa edição dos Oscars. O que é o filme marmelada? Bem, digamos que seja o queridinho da vez. Isso não quer dizer que a qualidade da produção seja ruim, nem ao menos da equipe por trás dela, mas certamente faz com que outros longa-metragens fiquem ofuscados - desvalorizados, como foi o caso de tudo o que não era Moonlight nem La La Land no ano passado, ou Mad Max em 2016, ou Gravidade, em 2014. Lady Bird conta a vida de Christine McPherson, uma garota de 17 anos que se dá o nome de Lady Bird porque, segundo ela, os nomes que nos são dados nem sempre se encaixam conosco. Lady Bird, interpretado por Saoirse Ronan, passa por tudo o que toda menina passa na transição entre o último ano do Ensino Médio e a universidade, só que, no caso dela, ela é mais dramática do que o normal. O filme é o típico "Coming of Age" (em inglês, isso é meio que um subtipo do gênero drama, no qual aborda os conflitos existenciais e intrapessoais da adolescência - exemplos: As Vantagens de ser Invisível, Clube dos Cinco, Garotas Malvadas, Quase Dezoito - nenhum desses filmes chegou a ser levado em consideração pela Academia). O filme, embora bom, não tem nada de inovador. É aquele que daqui a alguns anos estará passando na Sessão da Tarde e você vai pensar "esse filme é bem Sessão da Tarde mesmo". Não me julguem mal, sério, eu pessoalmente gostei de Lady Bird, mas não há nenhum porquê para ele entrar para a lista de indicados. O elenco foi excelente - Saoirse Ronan é uma atriz brilhante, a fotografia é bem estilo filmes do final dos anos 90 e dá uma sensação de nostalgia (será que é por isso que eu o associei com a Sessão da Tarde??) e fico feliz com uma representante feminina indicada a Melhor Diretor, mas isso ainda não justifica a seleção dessa produção por Hollywood.

8. Trama Fantasma, dirigido e escrito por Paul Thomas Anderson
    De todos os indicados, Trama Fantasma foi o que mais tive dificuldade de assistir - já não bastasse o meu desinteresse, não consegui assisti-lo no cinema e tive que achá-lo online, em uma versão terrivelmente legendada e que mal carregava. As primeiras cenas mostram o quão doentio o renomado estilista Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis) é. Após uns quinze minutos a irmã dele sugere uma saída ao campo, e é lá, em um restaurante, que ele encontra Alma, uma jovem garçonete, a qual apaixona-se por ele à primeira vista. No que dá a parecer, logo na mesma noite ele a leva para a casa de campo dele. Com um homem esquisito como aquele, não há nenhum motivo lógico para que Alma continue ali, mas é exatamente o que ela faz. Talvez ela tenha sido ingênua, a princípio, ou até mesmo tenha tido compaixão daquele homem solitário e misterioso, mas isso não desculpa a permissibilidade dela de tornar-se quase como uma escrava. O filme é insosso e parado, o diretor não soube trabalhar com a sensibilidade da personagem Alma (realmente, aquela mulher era mais fantasma do que carne e osso); assisti na velocidade de exibição 1.25x e não fez nenhuma diferença. Das duas horas e dez minutos de filme, pode-se dizer que as coisas só começam a acontecer a partir de 1h20. No meu ponto de vista, há muito diálogo e pouco progresso. É perturbador. Não há nenhuma química entre os atores, ou pelo menos foi o que me pareceu. Reconheço que a intenção do diretor foi explicitar essa relação tão problemática e desequilibrada, este personagem tão devotado ao trabalho e tão cheio de mimimi que dói nos nervos. Mesmo assim, refuto minha opinião de que não faz diferença ver a produção na velocidade normal ou acelerada em 1.25, 1.5, 2x. As duas horas de duração vão parecer dois dias independentemente. O que mais atrai em todo o filme é o figurino, mas não é nada que os filmes da Disney já não fazem. Lamento não ter ressaltado nenhum ponto positivo, mas achei tudo detestável e cansativo.

9. O Destino de uma Nação, dirigido por Joe Wright e escrito por Anthony McCarten
    O filme segue os moldes de O Discurso do Rei. Perfeito para ser assistido em um dia chuvoso. Coincidentemente, o enredo também aborda o episódio de Dunquerque, dessa vez nos bastidores, no tracejamento do resgate dos milhares de soldados naquela praia. O foco da história é na posse de Winston Churchill após a resignação de Chamberlain, no segundo ano (tecnicamente, nove meses depois da declaração de guerra da Grã Bretanha) da Segunda Guerra Mundial e "invade" a vida pessoal do famoso Primeiro Ministro Britânico. A produção é bem feita, do jeito ostentativo que os ingleses tanto gostam - boas composições musicais e cenas visualmente agradáveis, sem falar na atuação de Gary Oldman. O ator se transformou a ponto de que só o reconheci porque sabia que era ele quem interpretava o papel principal. É a clássica produção que é indicada, mas no final não recebe nenhum prêmio, ou talvez somente o de Melhor Maquiagem.



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