De volta aos anos 60?

Há uma semana parei para pensar em quão confusas as coisas andam desde o final de fevereiro. Confesso que a empolgação da minha vida pessoal neste início de ano me desviou um pouco dos assuntos externos, mas sinto que não posso mais me abster de opinar acerca dos acontecimentos recentes. Em Brasília, desde a assinatura que assentiu a intervenção militar no Rio de Janeiro, tenho visto nas paradas de ônibus o carimbo "1964 is back". Demorou mais do que duas semanas para que eu realmente entendesse a dimensão dessa decisão. 

Foi na quinta-feira passada. Eu tinha acabado de entrar na sala de aula quando recebi, no celular, uma notificação de um app de notícias, a qual dizia respeito a vereadora Marielle Franco. Eu nunca tinha ouvido falar dela. Creio que quase nenhum de nós, não-cariocas, sabíamos quem ela era e o que ela reivindicava. Infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade onde só conhecemos uma pessoa quando ela morre. É triste, mas é verdade. Comovida com aquele assassinato (de cara eu e minha família demos o caso como assassinato por encomenda), fui pesquisar a respeito da vereadora. 

Como o fato gerou muita repercussão, suponho ser desnecessário escrever o que li a respeito dela. É impossível não associar este lastimável caso com a posição dela em meio ao contexto da Intervenção. Olhe só, que coincidência, quatro dias antes de ser morta com quatro tiros, a parlamentar havia criticado abertamente uma operação militar na Favela do Acari. Ela já devia ter feito isso centenas de vezes, uma vez que era membro ativo de uma comissão fiscalizadora da Intervenção. Acredito que a morte dela tenha sido simbólica, pois ela representava a voz que as vítimas dessa militarização nunca puderam conquistar. E para quem quer que esteja ao lado dela nesta causa (políticos, principalmente), fica o recado. Fica o medo.  

Quanto à situação internacional, também parece que voltamos à década de 1960.

Na semana passada, o assunto internacional que mais reverberou foi a tentativa de assassinato do ex-espião soviético, Sergei Skripal, perto de onde mora, em Salisbury, sul da Inglaterra. O Secretário de Estado de Assuntos Exteriores do Reino Unido, em entrevista com a BBC, comentou: “Nós achamos esmagadoramente provável que foi decisão dele (de Vladmir Putin) direcionar o uso de um agente nervoso* nas ruas do Reino Unido, nas ruas da Europa, pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.” Isso tudo apenas alguns dias antes das eleições presidenciais na Rússia, ou seja, ao finalmente "neutralizar o traidor", o Kremlin teria mais do que certeza da re(re-re)eleição de Putin. Em uma matéria do The Guardian, o comentário de Sir Andrew Wood, um ex-embaixador na Rússia "Desde 2012 a Rússia tem retrocedido, rejeitando reformas econômicas e melhores cortes em favor de uma reforma do controle de estado e da repressão, um medo de qualquer coisa que seja outra. É o reavivamento do stalinismo e a ideia de que a Rússia tem o direito de dominar seus vizinhos." 

Como retaliação à conduta incriminadora da Primeira Ministra do Reino Unido, a qual acusa o Governo Russo de cometer o crime, o representante do Kremlin, Sergei Lavrov, retirou diplomatas britânicos do território russo.
Como a aliança dos países da OTAN é de primeiro grau, isso é, partem da política “mexeu com um, mexeu com todos”, é claro que os Estados Unidos se posicionou contra a Rússia. Isso em si é esperado, claro, mas se levarmos em consideração outras rixas recentes entre os EUA e a Rússia (como a suspeita de vazamento de informações durante a campanha eleitoral de 2016 e até mesmo a intervenção indireta na Síria) poderiam ser mais uma faísca para a chama que pode aumentar e talvez resultar em ainda mais tensão.

Não acho que estejamos encaminhando para uma Segunda Guerra Fria ou para uma nova Ditadura Militar, mas no meu ponto de vista, devemos tomar cuidado para não repetir histórias que devem ser deixadas no passado. O que acontece ao nosso redor e no nosso mundo não é culpa nossa, eu sei, entretanto é fundamental termos um pouco de bom senso para criticar e discordar do que julgamos ser errado. 



* nerve agent

Referências que usei na parte do envenenamento do ex-agente russo (em inglês):
http://www.bbc.com/news/uk-43429152
https://www.theguardian.com/uk-news/2018/mar/10/sergei-skripal-salisbury-poisoning-putin

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