Porque "Projeto Flórida" merecia concorrer a alguns Oscars

     A primeira vez que ouvi falar a respeito desse filme foi no Instagram. Uma pessoa que sigo havia publicado uma foto do pôster, com a legenda "👏👏👏". Não vou mentir, de início pensei que fosse um filme com uma "pegada meio Moonlight" (sim, eu não gostei de Moonlight), então não dei muito crédito. Duas semanas depois, um canal de entretenimento no qual sou inscrita no YouTube publicou um vídeo acerca desse longa-metragem e eu, curiosa, como sempre, o assisti e fiquei interessada pela história. Como só consegui ver o filme há uns dias, estou escrevendo a respeito dele agora para que mais alguém compartilhe da minha decepção em não ver essa produção nas listas da aguardada premiação cinematográfica. 


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    A história decorre a poucos quilômetros do complexo do Walt Disney World, na Fórida (o título do filme remete ao primeiro nome dado ao conjunto dos parques de Orlando). Os fatos, no entanto, se distanciam da realidade do "Lugar Mais Feliz da Terra" e denunciam a vida de famílias naquela região que vivem em hotéis de beira de estrada, em uma situação miserável. Isso me lembrou uma situação que presenciei durante uma viagem ao Recife em janeiro, onde me deparei com um prédio que parece uma favela vertical em meio aos prédios de classe média alta de Boa Viagem.
     De volta ao filme, a história é imersa na vida da pequena Moonee (interpretada por Brooklyn Prince), uma garotinha de seis anos que vive com a mãe (a qual não passa de uma adolescente rebelde) no motel Magic Castle. O ambiente é nada apropriado para uma criança: ali ela está exposta à violência, a degradantes condições sanitárias e ao perigo constantemente, não recebe nenhuma correção da mãe... enfim, o filme deixa bem claro que nenhum humano merece viver em tamanha precariedade (e olha que se a história se passa nos Estados Unidos! Imagine só como seria se a história tivesse como cenário uma das incontáveis favelas brasileiras*).
     Além da denúncia social, trabalhada nos filmes do diretor Sean Baker, o filme também retrata a ingenuidade infantil. Aos olhos de Moonee, a vida não é horrível. Esse é o mundo que ela conhece: pedir esmolas, comer alimentos distribuídos por caridade, xingar e gesticular obscenidades, estar ao lado da mãe enquanto ela fuma maconha, atravessar rodovias, assistir a brigas de rua, ser chutada para fora do quarto quando um hóspede de verdade chega. Isso tudo é normal aos olhos dessa criança e das outras que residem por ali. Deu vontade de chorar? Pois é. Mas, como mencionei, Moonee tem apenas seis anos, e o filme é visto pelo olhar infantil dela. Sean Baker inspirou-se em "Os Batutinhas" para retratar a diversão e a imaginação das crianças e soube trabalhar com ângulos baixos e com poucas cenas sem a presença da menina, de modo que o clima não fica tão pesado. É como se o espectador voltasse a ser uma criança novamente: uma criança pobre e invisível aos olhos de pessoas como eu e você. Considero essa produção um semi-documentário, pois Moonee representa milhões de crianças espalhadas pelo mundo, vivendo na miséria e sendo negligenciadas.
      A presença constante de cores "felizes", como o rosa, o violeta e o azul ofuscante do céu da Flórida (captados com filme 35mm - eu nem imaginava que ainda faziam filmes com filme!), também é utilizada como recurso para suavizar a narrativa. A personagem de Willem Dafoe, Bobby, é como uma figura paterna para Moonee, pois é ele quem cuida da segurança das crianças e faz o possível para dá-las um pouco de conforto e mantê-las longe do perigo. Dafoe também incorporou seu Émile Zola interior para imergir in character, hospedou-se durante uma semana no motel onde a história se passa e dessa maneira viu de perto a realidade pela qual as personagens da trama enfrentam. Embora ele tenha sido muito destacado nesta produção, quem realmente merece o destaque é Bria Vinaite, que interpreta Halley. O diretor a descobriu via Instagram, e esta foi a primeira vez dela no ramo da atuação! E que atuação brilhante para uma amadora!
       Há muitas curiosidades as quais eu gostaria de comentar por aqui, inclusive discorrer acerca das teorias acerca da conclusão do filme, mas vou parar por aqui. Foi realmente uma baita de uma injustiça terem invisibilizado uma produção dessa e não tê-la incluído nas grandes premiações. Assim como os Irmãos Lumière, no final do século 19, Baker utilizou-se da comunicação visual (no caso de Baker, audiovisual) para mostrar cenas presentes no dia-a-dia e aproximá-las do público. O trem que está na tela pode ser apenas uma representação do real, mas isso fez com que os espectadores daquela primeira exibição de filme nunca mais vissem um trem com o mesmo olhar. Por que não fazer o mesmo após assistir Projeto Flórida?

   
   

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