Resenha #6: Laranja Mecânica

                                            (AVISO: ESTA RESENHA CONTÉM SPOILERS)                                    
             
         A resenha de hoje é a respeito de um dos livros mais famosos do século XX, que ficou ainda mais conhecido após a adaptação para o cinema feita por Stanley Kubrick: Laranja Mecânica, escrito pelo inglês Anthony Burgess e publicado em 1962. Desde os meus 12 anos eu andava interessada em ler a obra, mas graças ao meu pai, que já havia visto o filme, decidi esperar até os 18 para lê-la. A Parte Um me deixou horrorizada, uma vez que só tratava dos atos ultra-mega-hiper-super violentos e do consumo deliberado de drogas pelo jovem Alex, o protagonista, e seus três amigos: Pete, Georgie e Tosko (Dim, na versão original). A maldade e a ilimitabilidade desse grupo parecia não ter fim, tanto que eu estava quase chorando quando terminei o segundo capítulo. Se você (assim como eu) nunca nem mesmo viu o filme de 1971, e pensa que o livro denuncia a pobreza como fator desencadeador da criminalidade, pensou errado. O narrador-personagem, Alex (de apenas quinze anos), deixa isso claro logo nas primeiras páginas. 
      A minha repugnância era tão grande que só tive coragem de continuar a leitura três dias depois. Mesmo assim, fui lendo a Parte Um a passo de lesma, dando pausas de pelo menos 12h entre um capítulo e outro para me recuperar do que estava escrito ali. Finalmente cheguei à Parte Dois, e a partir daí a leitura passou a fluir rapidamente. O dialeto nadsat (escreverei a respeito dele daqui a pouco) ainda era um pouco confuso, o que ainda me fazia voltar ao glossário com bastante frequência. A Parte Dois trata da vida do protagonista no cárcere e posteriormente, do "tratamento" que promete devolvê-lo ao "mundo livre" em quinze dias. Se os primeiros sete capítulos explicitam a irreverência e a inconsequência dos maltchiks, os sete seguintes nos mostram as decisões desesperadas do governo para frear essa violência. Não surpreendentemente, as medidas tomadas pelo Estado são tão agressivas quanto os crimes cometidos nas ruas, a tal ponto que você começa a ter empatia por Alex - pelo menos foi o que eu senti. 
      A Parte Três mostra um Alex mais velho, traumatizado com o "tratamento" recebido no prisão, porém ainda com o mesmo pensamento da época na qual foi encarcerado. Ao voltar para a sua casa, depara-se com um estranho morando com os pais, como se fosse um filho para eles. Ele é, então, expulso do que um dia chamou de lar. A impossibilidade do rapaz de ser quem ele é (um delinquente amante das composições de Ludwig van) é justamente o que leva o jovem a decidir se suicidar. Entretanto, ao chegar na biblio, onde ele acredita que achará um livro instruindo como terminar a própria vida de modo indolor, ele é reconhecido por um homem a quem agrediu. Impossibilitado de revidar, o jovem é surrado ali mesmo, na biblioteca, pelos "bons cidadãos". Em seguida, ele é levado pelos miliquinhas para o campo e a agressão continua, impiedosa. Esse segmento do livro me fez lembrar daquela frase "bandido bom é bandido morto", tão usada pelos "cidadãos de bem" do nosso país. 
      Alex é deixado despido e ensanguentado pela polícia para, no mínimo, pegar uma hipotermia. Mas ele resiste e caminha até o vilarejo mais próximo. Como o texto já está ficando grande e ainda tenho muito o que escrever, direi apenas que na vila ele é cuidado por um bondoso senhor, que acaba por levá-lo a participar de uma conspiração anti-governo. "No final das contas", o jovem cai em outra cilada, a qual o faz pular de um prédio e, posteriormente, isso o torna famoso. Ainda no hospital, os pais (o e a eme) de Alex se reconciliam com o filho e concedem o seu retorno ao lar. 
      O último capítulo começa com as mesmas palavras do que o primeiro: "Então, o que é que vai ser, hein?" e inicialmente segue o mesmo modelo do que o princípio do livro. Entretanto, a conclusão não é pessimista. Ela nos permite ter esperanças para o protagonista. Ele mesmo se dá conta de que não é mais um maltchikvik em busca de aventuras e diversão: ele é quase um adulto. Ao encontrar com Pete em um café, Alex se surpreende em ver o velho drugui (amigo) vestido em roupas formais, falando sem os vocábulos nadsat e acompanhado por uma bela e educada devotchka. O choque do protagonista revela, por fim, que ele já começou a se ajuizar. Isso me alegrou; não por causa da reconciliação ou do reinício de Alex que tornaram a conclusão tão simbólica, e sim, o auto-reconhecimento da personagem de que ele precisava amadurecer. 
      Eu adoraria contar curiosidades a respeito do autor e do livro, além de elogiar o processo de tradução da obra para o português (que deve ter sido um baita de um desafio, mas que, pela primeira vez, não deturpou o sentido original e nem as recheadas assonâncias de Burgess). Infelizmente, uma resenha não pode ser tããão longa assim - principalmente em um blog, né? Se você ficou interessado em ler a obra, recomendo a edição da editora ALEPH (pelo menos aqui em Brasília, é a mais fácil de ser encontrada) porque ela contém um prefácio, uma nota sobre a tradução brasileira (a qual apresenta as três medidas adotadas por Burgess para criar os neologismos e como cada uma foi levada em consideração para traduzir o livro ao nosso português) e um glossário que me ajudou a compreender integralmente essa brilhante trama literária. 

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