Um transcrito

    E se pudéssemos escrever livremente ao fazer comentários de textos acadêmicos? Pensando nisso, resolvi fazer um resumo do texto Memória, Esquecimento, Silêncio, de Michel Pollak, de um jeito descontraído e debochado, com uma linguagem simples de se entender. Obviamente eu não enviei isso para o professor, mas quero compartilhar aqui a introdução que fiz.


"Adentramos pois no 3º e último módulo do semestre. Amém. O texto de Michel (não o Temer, mas o Pollock) apresenta a temática do módulo, “Historiadores e seus tempos”, e nada como começar fresquinho no século XX. Tudo o que nos cerca respira a história: a arquitetura, a música, até mesmo a culinária! Hmm… que delícia só de pensar num pão de queijo quentinho!

É aí que entra a tradição metodológica de Durkheim, aquele senhorzinho da escola positivista, lá no final do século XIX. Mas o que torna essa tradição metodológica tão importante, meu deus? Bom, ele tratava os fatos sociais como coisas, ou seja, eram eles mesmos os objetos de estudo desse sociólogo. Sob esse ponto de vista, tudo o que envolve a sociedade pode ser visto como referência para indicar e definir a memória coletiva de um grupo e que, ao mesmo tempo, torna esse grupo diferente de outro grupo, que por sua vez, é diferente de outro grupo e assim por diante.

Você já se sentiu preso ao seu contexto social ou até mesmo à sua nacionalidade? Tipo, as pessoas te julgam quando você não gosta de futebol e nunca foi ao Rio? Foi o primeiro exemplo que me veio a cabeça, desculpem-me se foi ruim. Mas essa é uma demonstração do que Durkheim queria expor ao afirmar que essa memória coletiva da qual você faz parte tem um caráter quase institucional, porque isso garante a estabilidade e a continuação das coisas como elas são. É como se a sua cultura, o seu grupo social, fosse um policial sempre te vigiando para ter certeza de que você vai andar na linha. Com essa linha de pensamento eu poderia citar também a violência simbólica de Durkheim, mas acho que já deu para entender o raciocínio dele. Assim, vamos partir para um outro intelectual.

Ao contrário de Durkheim, Maurice Halbwachs, outro positivista, via nessa memória coletiva algo muito positivo (porque ele era positivista, né migxs). Em vez de ser coercitiva, imposta, a memória social é coesa e te faz aderir ao grupo de maneira afetiva, uma vez que você se identifica com as pessoas que pertencem a ele. Por isso mesmo Halbwachs dá o nome de “comunidade afetiva”.

Halbwachs também propunha conciliar a memória coletiva com a individual "Para que nossa memória se beneficie da dos outros, não basta que eles nos tragam seus testemunhos: é preciso também que ela não tenha deixado de concordar com suas memórias e que haja suficientes pontos de contato entre ela e as outras para que a lembrança que os outros nos trazem possa ser reconstruída sobre uma base comum." Assim, ele reconhece a problemática da memória coletiva, por desprezar, muitas vezes, as experiências individuais. Ele não analisa os fatos sociais como coisas, mas como os fatos sociais se tornam coisas (a isso é dado o nome de construtivismo social).

Essa abordagem, ao contrário de Durkheim, dá espaço também aos excluídos, que muitas vezes estão representados pela cultura oral, distante da cultura “oficial”. No caso do Brasil é muito claro abordar isso se percebermos a exclusão social e cultural dos indígenas.

Se, por um lado, a memória coletiva privilegia certos grupos, por outro, é em contextos de conflitos e crises que se dá espaço aos “sofredores”, vítimas desse imperialismo ideológico, se assim posso dizer. Os pesquisadores se interessam pelos conflitos e pelas disputas, pois eles quebram a monotonia da estabilidade e da continuidade.

O autor dá um exemplo dentro do contexto europeu, relacionando a desestalinização da União Soviética em meados da década de 50 e início da década de 60 do século passado. Kruschev denunciou os crimes de Stalin e retirou os restos mortais do ditador (ou melhor dizendo, a múmia dele, uma vez que foi embalsamado), que estavam no mausoléu da Praça Vermelha. No entanto, a tentativa de Kruschev não deu muito certo, gerou ainda mais confusão dentro da URSS e só voltou à tona na década de 80, com a glasnost e a perestroika, já com a liderança de Gorbachev. Nessa época, movimentos intelectuais e de direitos humanos realmente condenavam ferrenhamente os crimes de Stalin e até mesmo criaram um memorial para as vítimas do stalinismo.

“Uma vez rompido o tabu, uma vez que as memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço público, reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis se acoplam a essa disputa da memória, no caso, as reivindica­ções das diferentes nacionalidades. Este exemplo mostra a necessidade, para os dirigentes, de associar uma profunda mudança política a uma revisão (auto)crítica do passado.” Eu não poderia exprimir isso melhor do que o autor, então decidi copiar e colar esse trecho aqui. O autor também dá outros exemplos, sendo o primeiro já muito conhecido por todos nós: o nazismo e o antissemitismo europeu que, não se engane, já existia muito antes do século XX. O segundo é a resistência dos alsacianos e lorenos que foram forçados a se recrutar para o Exército Alemão a partir de 1942 e, inconformados com isso, muitos acabaram desertando e se tornando prisioneiros de guerra."


E é por isso mesmo que às vezes me sinto Mário de Andrade.

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