Resenha #10: Minha Vida de Menina

Terminei este livro hoje, após dois meses de leitura. Passei o mês de junho inteiro só fazendo trabalhos e estudando para as provas de fim de semestre. Ufa, finalmente posso respirar um pouco e aproveitar para ler mais!

Talvez você nunca tenha ouvido falar desse título, Minha Vida de Menina. Eu também nunca imaginava que esse livro existisse, e o descobri por acaso em um blog sobre mulheres da história do Brasil. Helena Morley é o pseudônimo usado por Alice Dayrell Caldeira Brandt, que em 1942 publicou seu diário escrito entre 1893 e 1895 - dos 12 aos 15 anos. Dá para entender que o pai nasceu na Inglaterra e veio com a família (os pais e três irmãs) para o Brasil ainda bem jovem, e foi ele quem incentivou a filha a escrever. A mãe, filha de um minerador que ficou rico, tinha uma família grande, com a qual Helena vivia em uma relação de amor e ódio. 

O que eu gosto em diários é que eles nos permitem "xeretar" a vida dos autores ao mesmo tempo que descobrimos mais sobre o panorama histórico em que viviam. Eu pessoalmente sou muito fã disso, porque quando estudamos História ou lemos um livro sobre uma determinada época ou um determinado lugar, nunca sabemos como as pessoas comuns viviam. E é no cenário de uma Diamantina (cidade de Minas Gerais) no fim da mineração, em um Brasil recentemente republicano e livre da escravidão, que a história de Helena toma forma. Apesar da maioria dos relatos da menina serem do tipo "Hoje vovó...", "Tia Fulana...", "Ontem fui...", há alguns trechos que revelam muito bem o panorama político e social da época, com um olhar interno, como do dia 15 de Novembro de 1894: "Meu pai hoje ficou, como todos da cidade, muito satisfeito com a posse do Prudente de Morais. Foi uma alegria na cidade quando chegou o telegrama e todos festejaram como se fosse coisa nossa. Mas diz meu pai que é porque ninguém aqui, a não ser os jacobinos, gosta do Floriano e não esperavam que ele largasse o lugar para Prudente, porque ele tem muita influência no Exército. Todos agora esperam que tudo vai melhorar com o Prudente de Morais. Eu sempre digo a meu pai que não pode entrar na minha cabeça que tenha alguma influência para nós aqui na Diamantina mudança de presidente. Meu pai diz que tem toda, que o governo é uma máquina bem organizada e que o presidente sendo bom e fazendo bom governo beneficia o Brasil inteiro e chega até aqui para nós. Eu lhe disse que só poderia acreditar nisso se o presidente mandasse canalizar s nossa água e consertar o nosso calçamento. Ele disse que essas coisas não são feitas pelo presidente do Rio de Janeiro, só se ele fosse um filho da terra como o Dr. Mata que nesse caso ele poderia até mandar fazer uma estrada de ferro daqui para Ouro Preto. Se há uma coisa que eu não espero aqui em Diamantina é estrada de ferro. Também não há precisão. Andar a cavalo é muito bom."

Há, em diversas ocasiões, menções a ex-escravos e negros alugados, assim como os relatos da menina de que não se importava em passar tempo na senzala antiga, pois ela gostava muito das histórias dos "pretos". Apesar do preconceito com os negros e os mulatos, achei interessante o modo que a família da menina tratava essas pessoas. Eles tratavam todos muito bem, e até criavam filhos de escravas como se eles também fossem parte da família. Isso dá um ponto de vista totalmente diferente do qual nós estamos acostumados, porque muitas vezes pensamos em como os ex-escravos viviam nesse período de transição. 

O diário é bem típico de uma menina nessa idade: ela frequentemente reclama que não tem tempo para estudar, conta de passeios com as amigas, do desejo dela de poder ir ao baile de carnaval, dos seus vestidos, dos seus sonhos, faz desabafos... enfim, tudo o que é típico de um diário. É um contraste ao mesmo tempo atual e estranho, uma vez que ela escreve umas coisas que eu pessoalmente fiquei pasma, como o fato dela beber vinho Porto constantemente (já aos 12 anos), de confessar que gosta de rapé e de lidar tão facilmente com as mortes. Enfim, é uma leitura muito agradável e cômica, porque essa menina não sossegava nunca. Demorei para terminar, e embora o livro só tenha 324 páginas, cada vez que eu o pegava para ler me divertia muito. 

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