O que eu achei de "Insatiable", a polêmica série da Netflix

Vi o trailer dessa série pela primeira vez um pouco antes de começarem as polêmicas a respeito dela. Achei sem graça e nem pretendia vê-la até começarem a polemizar. Como uma futura jornalista (ou não, quem sabe eu vire assessora de imprensa 🤷🏻) decidi assistir a íntegra para poder formular minhas próprias opiniões. Já que todos estavam falando mal, queria saber se realmente era tão ruim quanto diziam. 

A crítica se deu ainda antes da série ser lançada, e chegou a ter mais de 300 mil assinaturas em um abaixo-assinado virtual. Nele, contestavam o caráter do seriado como fat-shaming ("gordofóbico"), reivindicando que esse não é um bom exemplo para meninas mais novas que possivelmente assistirão aos episódios.


A proposta da série era criticar e ao mesmo tempo satirizar a sociedade em que vivemos hoje, a qual considera que a aparência é tudo. Basicamente, é isso. 

⚠️ ATENÇÃO: esse post contém spoilers ⚠️

[Spoiler 1: sim, é tão ruim quanto diziam]

Comecemos pelo fato de que os primeiros cinco episódios foram insuportáveis para mim, a começar pelo fato de que ela era a única garota acima do peso em toda a escola. Querida, você está em um estado do Sul dos Estados Unidos, país onde 1 em cada 6 crianças/adolescentes é obeso (fonte: Niddk). Outro fato que me chamou a atenção, apesar de já estarmos acostumados com o branqueamento dos personagens nos filmes e séries estadunidenses, é de só haver uma personagem negra relevante na história (há três que se destacam, mas somente uma aparece com maior frequência). Isso é demograficamente equivocado, já que das 10.545.138 pessoas estimadas no estado da Geórgia, cerca de 3.148.134 são negros (fonte). Mas ok, vamos partir do pressuposto de que "é só um programa de televisão".

Há tantas coisas erradas com essa série que tive de fazer uma lista para me lembrar de todas.

Já no primeiro episódio, Patty se apaixona pelo seu advogado, o qual foi acusado de molestar uma menor. Essa não é o tipo de mensagem que deveria existir na televisão. Por mais que ele não tivesse, de fato, abusado uma menina, isso não impede audiências mais novas de acharem que não haveria problema em se apaixonarem por homens bem mais velhos, e potencialmente pedófilos. 

Relações sexuais entre menores de idade e adultos são recorrentes durante a série, e eu pessoalmente fiquei incomodada com essa sexualização da figura infantil - embora todos os atores já tenham mais de 20 anos. Trabalhar com uma crítica acerca da insegurança dos jovens (especialmente meninas) com seus corpos poderia ter sido alcançada com mais eficiência se não tivessem erotizado tanto alguns dos personagens "adolescentes". A relação entre Brick (aliás, quem dá o nome do filho de Tijolo?) e a mãe da Dixie é pra lá de estranha!

"Eu não sou asiática, sou adotada!" Esse foi a resposta da personagem Dixie para Troy, quando ele diz algo como "nós asiáticos devemos nos unir", no quarto episódio. Isso era para ser engraçado, como essa cena clássica de Os Vingadores, mas simplesmente não funcionou. Foi ridículo. 

E por falar em asiáticos, satirizar esteriótipos foi uma das propostas da série que não funcionou. Chega a ser ofensivo. Isso não é "humor negro", e sim humilhação. Os personagens asiáticos são usados como comic-relief, ou seja, como a peça curinga a dar um toque de humor (porque eles são super engraçadinhos, às vistas da indústria de entretenimento americana). Por serem de um estado "interiorano" do país, grande parte dos personagens fala daquele jeito meio exagerado, cheio de palavras esteriotipadas, sem falar nos nomes dos personagens (Coralee, Magnolia, Regina) - trazendo para o Brasil, seria como fazer brincadeira com os baianos, de modo que os personagens frequentemente falassem "oxente, bichinho" e deixassem de fazer tarefas porque estavam "com  preguiça, tirando um cochilo na rede". Enfim, creio que deu para entender. As donas de casa também não são poupadas: são vistas como alpinistas sociais esnobes, vivendo às custas dos maridos e gastando o dinheiro deles com futilidades. 

A mãe da Patty, pelo menos no início, mal ligava para a filha. Para a maioria das mães solteiras, essa não é a realidade. Não posso falar por todas, porque há exceções, porém, todas as mães solteiras que eu conheço são totalmente devotadas aos filhos, e mantém uma relação muito boa com eles. 

Vamos falar sobre o(s) Bob(s)? Então, ele(s) é(/são) problemático(s). A começar pelo Bob principal, que inicialmente toma o caso de Patty na justiça e depois se torna o mentor dela. Não é culpa do ator - ele provavelmente atua muito bem, mas o personagem é forçado até demais. Embora seja uma paródia sem graça do esteriótipo (e me desculpem o palavreado) "bixa louca" dos homens que se interessam por assuntos relacionados à moda e à beleza, ficou estranho demais aquela representação exacerbada - e desnecessária do personagem, o qual alega que é heterossexual e que no final, adivinhe só, não é! Nossa, que surpresa 😒. Além de dar continuidade a um esteriótipo de que "todo homem que gosta de moda e afins é gay, ele perpetua essa imagem da "b.l.". A série praticamente reduz os (homens) gays a seres bizarros, como se estivéssemos nas comédias dos anos 90. E olha que eu nem sou daquelas pessoas do "politicamente correto"! O segundo Bob é tão insuportável quanto. Nos primeiros episódios ele não passava uma cena sem tirar a camisa, o que teoricamente daria humor, mas eu pessoalmente achei super irritante. 

Adolescentes bebendo álcool e usando drogas deliberadamente, sem nenhuma lição moral que incentive o não-consumo de entorpecentes. Pelo contrário, há uma cena em que o próprio pai incentiva a filha a inalar cocaína como estimulante. Oi, com licença? Com bebidas até sei que isso existe (embora também não deveria ser mostrado em uma série voltada ao público jovem), mas com cocaína... já é demais.

O personagem Christian é uma versão mais assustadora do Jacob da saga Crepúsculo. Fiquei com medo de não abordarem corretamente o caso do "o cara que tá afim de mim está me seguindo e demonstrando comportamento possessivo", mas pelo menos isso foi trabalhado (mais ou menos) corretamente.

Por falar em Christian, outro esteriótipo chato e que me ofendeu pessoalmente foi o do pastor e de sua esposa. O pastor Mike até dá uns conselhos bacanas, mas aquele negócio de ficar "sentindo" a alma da pessoa com aquele jeito beeeeem esteriotipado dos pastores me deu nos nervos. Pressentir que a "irmã gêmea" da Patty era um demônio, e que precisava ser exorcisada... primeiramente, no meio protestante não se diz exorcisar, e sim "expulsar" um demônio. E assim... um tumor ou sei lá o que aquilo era, não é um demônio. Oxe! A esposa do pastor se passa de "santa" quando na verdade detesta o filho e o xinga pelas costas.

Os adultos se portam como crianças. Bob é o maior exemplo disso, especialmente quando o pai dele pede para o filho não fazer birra. Enquanto isso, a melhor amiga de Patty, Nonnie, se porta com uma maturidade à frente da idade.

Por que todo mundo nessa série é tão obcecado por sexo? Ok, na vida real tem muita gente que pensa e fala muito sobre o assunto, mas essa série exagera muito. As pessoas transam como se o mundo fosse um eterno carnaval - e chega a ser indecente. E por falar em sexo... Uma orgia, sério? Sem (muitos) comentários... além de ser nojento e imoral, não é o tipo de coisa que se mostre para um público tão novo e com a mente ainda em formação.

A série sai de ridiculamente idiota para ridiculamente pesada entre os episódios 8 e 10. De besterol à dramas interpessoais e existenciais, foi uma surpresa e tanto. Não sei explicar, mas não esperava isso. Aquele final foi tão grotesco que parece até vindo de uma tela de Goya. 

Surpreendentemente, achei que a temática do bullying foi muito bem trabalhada, e isso era justamente o ponto crítico que levou a série a ser considerada "o pior programa da Netflix". A cena final do episódio 10 foi, para mim, a síntese da mensagem positiva que o seriado buscou transmitir a respeito desse tema. A atuação da Debby Ryan foi incrível, não só nessa cena, mas em toda a carga emocional da personagem. No fundo, todos os seres humanos são "insaciáveis", seja por comida, por popularidade, por dinheiro, por sexos, por poder, por amor, etc.

Outro assunto meio que relacionado, mas que também destaco como sucesso, foi o de as pessoas viverem de aparências e de serem falsas, e de usarem os outros para alcançar objetivos pessoais. O progresso da relação entre Patty e a mãe foi comovente. Esses pontos também foram bastante positivos. 

Se eu pudesse dar uma nota à série, daria 2/5. Não recomendaria a ninguém, pois achei péssimo, entretanto, a série tem seus pontos positivos, e não acho que seja cabível dá-la uma nota inferior (além do mais, vivemos em um mundo com filmes como Sharknado e A Barraca do Beijo, sem contar com livros de youtubers ocupando as estantes de best-sellers ocupadas por Shakespeare, Agatha Christie, J.K. Rowling, Tolkien, entre outros). E é isso. 

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