Tudo por conta da luz


É engraçado como às vezes certas coisas devem acontecer para que possamos refletir e repensar acerca do mundo no qual vivemos. Sem culpabilidades, apresento o meu ponto de vista: como a vida corre tanto no modo “piloto automático” que só paramos quando alguma reviravolta (ou epifania) acontece. Hoje (que já será ontem quando eu postar este texto) houve uma forte tempestade durante a tarde, dessas com muito vento, raios, relâmpagos e trovoadas. Quem é de Brasília já se acostuma a tirar as velas e as caixas de fósforo do armário porque é certo: a energia logo vai acabar. Apesar de serem ainda umas 16h, o céu estava tão escuro que parecia ser início de noite.

Enfim, a eletricidade, de fato acabou, e eu continuei no meu computador, assistindo a um vídeo já carregado. Como eu tinha que ler uns textos para as aulas de amanhã (hoje, se você está lendo o post no dia 22), fiquei roteando a internet do meu celular.

Uma hora havia se passado e nada da energia voltar. Minha mãe abriu um abacate, que já estava para perder, e ficamos eu, ela e o meu pai em volta da mesa, comendo abacate à luz de velas. Muito esquisito.

Fui à cozinha lavar meu prato e de repente ouvi um barulho atípico vindo da área de serviço. Eu não conseguia ver de onde vinha - devido à coluna que separa a cozinha da área de serviço. Pensei que fosse o vento sacudindo a persiana, mas me atentei mais ao som e percebi que parecia um besouro batendo e debatendo suas asas. Um pouco temerosa de ser, de fato, um besouro, fiquei na porta da cozinha e chamei meu pai. Ele foi devagarinho e murmurou, com um tom de pena.

“Ah não...” (acho que foi isso o que ele disse).

Certamente não era um besouro – ninguém tem pena de um besouro, né? - Curiosa, fui até a janela e lá encontrei um passarinho se debatendo entre o vidro e a fresta. Meu pai, com tom perplexo concluiu: é um beija-flor...

Não sei se era mesmo um beija-flor. O pobre pássaro, decerto fugindo da tempestade, acabou ficando desnorteado e entrou no apartamento. Minha reação foi imediata, como um ato reflexo: escancarei a janela e torci para que a avezinha não houvesse se machucado. Ela voou, felizmente, mas fiquei com o coração a mil: espero mesmo que ela não tenha se lesionado, e que continue a voar livremente, como toda ave merece. Tadinho do passarinho!

Pouco depois, a rua começou a ficar bem movimentada. Muita gente saindo de casa numa pressa danada. Tinha até quem saísse pela contramão, no maior desespero. O sol, que apareceu meio tímido depois da tempestade, iluminava com seus plácidos raios o prédio da frente, mas já estava se pondo. Como o sinal do meu celular estava em um tracinho, fiquei sem internet e fui até a varanda, a fim de observar a vida alheia.

O movimento lá fora já havia diminuído. Um homem novo (não deve nem ter chegado à meia-idade), entrou no carro dele, que estava estacionado entre um fusca e um desses Fords novos, e de lá não saiu. Eu retornei à cozinha, desta vez para encher minha garrafinha d’água – sem luz eu até fico; sem água, jamais! - e logo comecei a escutar narração de um jogo de futebol.

“Eita!”, meu pai gritou em um relapso “É mesmo, hein? Pra quem queria ver o jogo...!”

Demo-nos conta do porquê todo mundo estava tão desesperado para sair de casa: era por causa da partida de hoje, decisão do campeonato carioca. Logicamente, foram todos os torcedores aos bares, restaurantes, às casas de amigos ou de familiares onde havia eletricidade. Eis a solução para a volta do senso de coletividade: cortem a energia elétrica!

Mas aquele cidadão se lembrou do bom e velho rádio. De dentro do carro e com as janelas abertas, o moço acompanhava a partida sem imagens concretas, porém auxiliado da narrativa super-descritiva que seguia. É ela a qual muitas vezes desvalorizamos e dela até mesmo nos esquecemos. Felizmente, o rádio prevalece. Ele está sempre à disposição. Um outro homem ouviu a narração e foi para a varanda acompanhar o jogo do apartamento.

Já são 19 horas e nada da energia voltar. O mundo está silencioso e sereno; as famílias se juntam nas salas e, sem nada para fazer senão unirem-se em volta das velas, conversam em tons minuciosos, em ritmo lento: sem pressa, sem rumo, deixando o pensamento fluir. Apenas a simplicidade da vida para nos lembrar: somos nós quem tornamos tudo complicado.

** atualização: a luz só retornou por volta das 21h30. Foi muito tempo sem eletricidade, mas de tudo, me rendeu um bom texto.

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