Opinião sobre o Corte de Gastos da UnB

Oi, pessoal,

Não sou muito afim de textos políticos, mas ontem decidi ler os comentários a respeito de um protesto que ocorreu na UnB contra o corte de gastos das universidades (também ontem) e fiquei decepcionada. É tão triste saber que existem tantas pessoas apoiando essa decisão. Para nós, que vivemos todos os dias o desprezo pela educação, dá uma aflição enorme, pois essa medida nos atinge diretamente. Antes de dormir, escrevi este texto, no meu celular mesmo, e decidi publicá-lo. Não me importo se não gostarem, mas peço para que reflitam. 

Sou estudante da UnB e não me considero nem de esquerda, nem de direita. Isso não torna meu posicionamento neutro quanto ao que vem acontecendo nesta última semana. Quando entrei na Universidade de Brasília, no início do ano passado, eu logo senti o desinteresse do financiamento para os cursos de Humanas. Se não me engano, desde 2014 o Governo Federal vem afunilando (e desculpem-me pelo gerundismo) os gastos com as universidades públicas, ou seja, a nossa situação já está de mal a pior há cinco anos. 

Entendo que estamos em um momento de crise e que algumas medidas devem ser tomadas para voltarmos à estabilidade, mas, por melhor que sejam os argumentos, o corte de 30% (ou 40%, o que é ainda pior) extrapola os limites. 

Existem, sim, universitários preocupados em dar o devido retorno aos impostos pagos pelo trabalho suado dos cidadãos do nosso país. Falo por experiência própria: acompanhei meu pai enquanto ele preenchia o IPRF deste ano e fiquei horrorizada com a porcentagem do salário dele retido por causa da tributação. Não quero decepcioná-lo. Quero que ele veja que todo o investimento, por mais compulsório que seja, pago pelo trabalhador, está servindo para uma finalidade construtiva. 

Somos universitários que dão o melhor de si para se tornarem membros funcionais e altamente capacitados no âmbito profissional. Muitos de nós estudamos muito para chegar onde estamos: alguns dos meus colegas faziam cursinho pré-vestibular à noite; outros fizeram vários vestibulares até conseguir uma vaga; a Eline de 16, 17 anos já chorou muito pensando que nunca teria chance de entrar naquela universidade. 

Independentemente de ideologia, muitos de nós estamos lá nos matando de tanto estudar, passando noites em claro fazendo fichamento; lendo livros de 800 páginas, redigindo ensaios e críticas para as matérias, fazendo cinco trabalhos de vez para dar conta de entregá-los na sexta-feira. Resolvemos listas de exercício, elaboramos questões para a aula seguinte, sofrendo de dor na coluna, dor de cabeça, insônia, estresse, ansiedade, crise de pânico, depressão. Alguns de nós desmoronamos em aula, de exaustão. Temos professores cretinos, alguns só ficam contando causos e causas de suas vidas pessoais, então temos que correr atrás de explicações para conteúdos que deveríamos aprender em aula. Nossos livros custam caro, e nem sempre há exemplares disponíveis na biblioteca. Resta-nos tirar dinheiro da poupança para comprar material. 

Às vezes não conseguimos fazer tudo de uma vez e nos debulhamos em lágrimas. Sim, o ambiente universitário nos desafia intensamente e frequentemente nos faz querer desistir das nossas aspirações acadêmicas e profissionais. Mas, mesmo assim, perseveramos, porque acreditamos que uma boa educação é um privilégio. Estamos ali porque um dia houveram pessoas que acreditaram no nosso potencial.

Concorremos para Projeto de Iniciação Científica, para bolsa de pesquisa, para monitorias (aliás somos praticamente escravizados quando nos tornamos monitores); corremos atrás de professores  que enxergam o nosso potencial e que nos ensinarão a sermos bons profissionais, bons pesquisadores; participamos de projetos e atividades de extensão (que dialogam diretamente com a comunidade), Empresas Júnior, Semana Universitária, dentre muitas outras atividades que nem eu posso imaginar. 

Às vezes pegamos 7, 8 matérias de vez, para tentar terminar a graduação em menos de 5 anos e logo partir para uma segunda graduação, ou para a pós - senão, não conseguiremos uma vaga no setor privado, ou não teremos títulos suficientes para concurso público (se é que ele vai existir daqui alguns anos). Alunos que no Ensino Médio eram nota 10 se conformam, na universidade, com 5 e 6, porque reconhecem que deram o seu melhor.

Existem alunos que trabalham e estudam; mães, pais e filhos que sustentam famílias, ou que são o orgulho da família por ter entrado para uma das melhores universidades da América Latina. Existem alunos de 70 anos de idade que sempre sonharam em fazer um Ensino Superior e que hoje podem realizar esse desejo.

Muita gente na UnB pega 3, 4 ônibus todo dia e depois ainda encara a fila (literalmente) quilométrica do 110 para chegar cedo na aula; gente que mora no Goiás e vem cinco ou seis vezes na semana para a universidade. Volte e meia meus colegas pegam os engarrafamentos da EPTG, da Estrutural, da BR-040 ou da 020 e, ao chegarem na universidade, descobrem que a aula foi cancelada sem mais, nem menos. Depois de um longo dia, chegamos em casa e só queremos a nossa cama, mas ainda temos que terminar de estudar/revisar/fazer uma (ou dez) atividades; ficar até uma da manhã respondendo email da matéria na qual você é monitor. 

Comemos todo dia (ou quase todo dia) no bandejão, nosso querido RU. O cardápio é bem estranho e de origem duvidosa, mas é o preço mais acessível disponível. Muitos estudantes comem lá de graça porque são de famílias carentes e não têm nem como pagar R$5,20 (que até ano passado era R$2,50) todo dia no almoço. Existem estudantes que saem de casa sem comer, só para conseguir pegar o ônibus, e mesmo assim chegam atrasados na aula. Estudantes que, com a greve do metrô, enfrentam atrasos e ficam suando de calor porque o vagão está entupido. 

Aguentamos o calor dos anfiteatros e das salas de aula; lidamos com enxames de pernilongos e mosquitos que nos picam se não passarmos repelente; passamos o dia todo andando, nos habituamos ao cheirinho de esgoto que sobe com o sol incessante no Instituto Central de Ciências. Temos que ouvir as incessantes indagações de parentes: "Mas a UnB não é perigosa? Tem muita gente estranha lá, né?" e somos mal-vistos pela sociedade, no geral, por causa de festas que terminam em esfaqueamento, estupro, morte, em gente pendurado no semáforo... Mas fazemos o possível para incentivar nossos irmãos, primos e amigos a entrarem lá, pois sabemos quantas oportunidades incríveis e positivas a universidade federal oferece. 

Existem estudantes que deixaram a família em outro estado e vieram tentar a vida aqui, em uma cidade onde tudo é muito caro e distante, só porque o curso que queria fazer aqui na UnB era um dos melhores do país. Se fosse para ficarmos à toa, não valeria nem a pena sair de casa. Se fosse para ficar à toa, faríamos trancamento geral e nunca mais voltaríamos. Simples. Diploma hoje em dia se consegue em qualquer lugar, se alguém quiser. Mas, no geral, estamos interessados e prezamos pelo nosso ensino. 

A falta de verba também afeta toda a estrutura da universidade. O pessoal terceirizado responsável pela limpeza e pela alimentação dá duro para atender às demandas - eu, por exemplo, fico impressionada com a agilidade com que limpam o piso e os banheiros, e com a rapidez que repõem os alimentos. O que vai acontecer com eles? E como ficarão as estruturas dos prédios, com menos manutenção? E os materiais dos laboratórios das ciências biológicas e da saúde, os equipamentos de fotografia, e instrumentos das engenharias? 

Sim, existem os estudantes vagabundos, assim como existem em todo lugar, inclusive nas faculdades privadas. De fato, há quem não quer nada com a vida, que fuma maconha e vá constantemente em festinhas estranhas, que fica o dia todo jogando sinuca nos Centros Acadêmicos. Quer dizer que agora todos nós vamos ter que pagar o preço (ou melhor, sermos privados do pagamento) do que pouquíssimos fazem dentro do campus? 

Estamos passando por um momento delicado, que infelizmente vai afetar, sim, a vida de muitos estudantes que estão na universidade ralando para dar um retorno digno ao imposto pago pelo cidadão. Inclusive estudantes de direita (acredite, eles existem nas universidades públicas!) que apoiaram o atual presidente irão sofrer as consequências desse corte - ou melhor, “contingenciamento”. 

Não pense que todo mundo que entra na UnB - ou em qualquer Federal - vai virar um militante marxista, ou ficar gritando “Lula Livre” por aí. A maioria de nós só quer estudar, ir bem nas avaliações, ter um emprego que pague bem para nos sustentarmos e sustentarmos as nossas futuras famílias. Muitos de nós encontramos lá amizades verdadeiras, o futuro marido ou esposa; alguns acham a Deus no meio daquele ambiente. 

Continuamos a sonhar alto e não desistiremos dos nossos sonhos profissionais e acadêmicos; sonhamos, agora, com os pés no chão, mas não deixamos de almejar um futuro melhor para nós e para o nosso país.


Eline Sandes

7 de maio de 2019.

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