Resenha #28: Vozes de Tchernóbil

Não entendi o porquê da tradução "Tchernóbil" no título, então, como Chernobil é o modo mais correto de se escrever em português, é assim que vou me referir ao nome da usina nesse post. Enfim, uma vez que já dei esse aviso, podemos prosseguir.

O livro "Vozes de Tchernóbil" é um emocionante compilado da história oral do desastre nuclear mais conhecido no mundo. A obra, da jornalista e escritora bielorrussa Svetlana Aleksievitch, é o resultado de quase três décadas de relatos, e recebeu o Pêmio Nobel da Literatura em 2015. É realmente impactante a dedicação e a sensibilidade de Aleksievitch para viajar, ver e ouvir pessoas, além de transcrever e selecionar tantas conversas. Imagino que ela tenha tido milhares de páginas e horas de gravação dentre as quais pouco foi colocado no resultado final. 

Embora circule em torno da temática do desastre, a proposta do livro não é tratar do fato em si, mas da história omitida, das vidas de quem foi afetado pelo acidente. "Escrevo os relatos da cotidianidade dos sentimentos, dos pensamentos e das palavras. Tento captar a vida cotidiana da alma. A vida ordinária das pessoas comuns (...) Tchernóbil para elas não é uma metáfora ou um símbolo, mas a sua casa.

É difícil sintetizar um livro tão rico em detalhes: tão assombroso, porém belo e comovente. O modo prosaico dos interlocutores é uma mistura de filosofia novelesca e prosa tenebrosa. Encontramos contos de amor, seja de uma esposa que acompanhou a degeneração do marido até a morte dele; ou de uma mãe que amou o filho apesar de suas deformidades; até mesmo do sacrifício dos liquidadores pelo bem de seu povo. Em outros capítulos há tristes monólogos de pessoas que perderam seu senso de identidade; outros de evacuados que retornaram por "n" motivos e até hoje resistem, isolados nas suas terras natais.

Uma curiosidade (pelo menos para mim foi curioso) foi a associação do episódio com uma guerra. Eram tempos de relativa paz na União Soviética quando o desastre de Chernobil aconteceu, já no início da implementação da Perestroika. A Segunda Guerra e os gulags já eram memórias passadas. Como, então, explicar os soldados com máscaras de gás nas ruas, as cidades e vilas evacuadas, o perigo invisível e letal da radiação? Em algumas declarações, certas pessoas afirmam que prefeririam lidar com outra guerra do que com o acontecimento no reator daquela usina. Imagine só: homens chamados para atuar como liquidadores e que, logo após voltar para casa, sucumbiam a terríveis doenças e disfunções? Ou crianças que nasceram anos após o acidente nuclear, mas mesmo assim foram afetadas? O que dizer da ordem de enterrar objetos e plantações aparentemente "limpos"? 

O livro comenta a repulsa que as pessoas de fora das zonas de exclusão tinham do "povo de Chernobil": as chacotas, o isolamento, o medo de compartilhar roupas e objetos, de comprar alimentos radiativos. É bem triste imaginar o quanto os evacuados devem ter sofrido simplesmente por terem habitado em algum lugar afetado por níveis mais altos da radiação - isso me lembrou uma reportagem que vi uma vez, se não me engano no Fantástico, sobre como vítimas do desastre de Mariana estavam sendo desprezados nas cidades para onde foram reassentados. Além do preconceito, a autora aborda a falta de auxílio prestado pelo governo aos afetados pelo desastre (seria possível, afinal, ajudar todos financeiramente?) e o despreparo da medicina para lidar com as complicações de saúde deles. 

Creio que a série Chernobyl, lançada este ano pela HBO, tenha retomado a curiosidade a respeito desse tema e, consequentemente, popularizado o livro de Alexievitch. Eu mesma só ouvi falar dele pela primeira vez ano passado, em uma disciplina optativa que peguei lá no Departamento de História. Achava que seria um livro enorme, maçante até, mas quando me deparei com ele na livraria e folheei as páginas, percebi que a narrativa seria bem fluida (tem menos de 400 páginas). De qualquer modo, a leitura me foi surpreendente. É certo que, como eu sei pouquíssimo a respeito da história e da cultura soviética, acabei passando por cima de algumas referências. Mesmo assim, recomendo o livro para quem tem o mínimo de curiosidade sobre as consequências do desastre nuclear ocorrido há apenas 33 anos. Afinal de contas, Chernobil não é só um acontecimento à parte na história recente, quanto menos um meme que vemos aqui na internet. 

E é isso é tudo por hoje. Espero que vocês aproveitem a recomendação de leitura! 

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